Há aproximadamente cem anos,
Julia H. Johnson compôs a letra de um hino intitulado Grace Greater Than Our Sin [“Graça Maior que o Nosso Pecado”;
conhecido em português pelo título: Graça
de Deus, Infinito Amor]. A quarta estrofe desse hino sintetiza com muita
propriedade o conceito da graça de Deus:
Maravilhosa,
incomparável graça,
concedida livremente a todo
o que nEle crer;
tu que anelas ver Sua face,
queres neste instante
Sua graça receber?
incomparável graça,
concedida livremente a todo
o que nEle crer;
tu que anelas ver Sua face,
queres neste instante
Sua graça receber?
Nós que recebemos a graça de
Deus por intermédio de Jesus Cristo, de fato, constatamos quão maravilhosa e
incomparável é essa graça. Entretanto, qual é o significado da expressão Graça de Deus?
A Definição da Graça de Deus
A definição encontrada em um
dicionário para o termo graça é a seguinte: “O favor imerecido que Deus
concede ao homem”. Embora tal definição seja verdadeira, é incompleta. Graça é
um atributo de Deus, um componente do caráter divino, demonstrada por Ele
através da bondade para com o ser humano pecador que não merece o Seu favor.
Um Deus santo não tem nenhuma
obrigação de conceder graça a pecadores, mas Ele assim o faz segundo o bem
querer da Sua vontade. Ele demonstra graça ao estender Seu favor, Sua
misericórdia e Seu amor para suprir a necessidade do ser humano. Visto que o
caráter de Deus é composto de graça, movido por bondade Ele espontaneamente se
dispõe a conceder Sua graça à humanidade pecadora em nosso tempo de aflição. A
graça de Deus pode ser definida como “aquela qualidade intrínseca do ser ou
essência de Deus, pela qual Ele, em Sua disposição e atitudes, é
espontaneamente favorável” a outorgar favor imerecido, amor e misericórdia
àqueles que Ele escolhe dentre a humanidade desmerecedora.1
A Declaração da Graça de Deus
Ao longo de toda a Bíblia, a
graça de Deus se manifestou em três estágios. No primeiro, Deus revelou Sua
bondade e graça ao demonstrar misericórdia, favor e amor para com todos os
homens em geral, mas para com Israel em particular. No segundo estágio, Deus
expressou ou apresentou Sua graça, de forma mais clara, através de Jesus
Cristo, o qual veio ao mundo para pagar pelos pecados do homem mediante Sua
morte sacrificial na cruz. No terceiro, a graça de Deus proporciona salvação e
santificação a todos os que, pela fé, confiam em Jesus Cristo como Salvador e
Senhor de suas vidas.
Na Septuaginta, uma antiga tradução das Escrituras do
Antigo Testamento para a língua grega, o termo grego traduzido por “graça” é charis que significa “graça ou favor
imerecido”. As Escrituras Hebraicas não possuem nenhum termo hebraico
equivalente. Os termos originais hebraicos traduzidos na Septuaginta por charis são chanan ou chen, que se traduzem por “graça”, “favor”
ou “misericórdia”.
Essas duas palavras hebraicas
são usadas no Antigo Testamento para retratar o mesmo significado de charis: (1) mostrar misericórdia para com o
pobre (Pv 14.31); (2) proporcionar misericórdia àqueles que invocam a Deus em
tempo de angústia (Sl 4.1; 6.2; 31.9); (3) demonstrar favor a Israel no Egito
(Êx 3.21; 11.3; 12.36); e (4) conceder (Deus) Sua graça a determinadas pessoas,
tais como Noé (Gn 6.8), José (Gn 39.21), Moisés (Êx 33.12,17), e Gideão (Jz
6.17). Além disso, a graça de Deus será derramada sobre a nação de Israel no
tempo da sua salvação (Zc 12.10).
A graça
e a misericórdia também foram manifestadas a nações inteiras. O Senhor, por Sua
graça, libertou o povo de Israel da escravidão no Egito.
Outros termos hebraicos, tais
como,racham ou rachamim (i.e., “misericórdia”) echesed (“amor leal” ou “bondade”) muitas
vezes ocorrem juntos no texto hebraico para expressar o conceito da graça de
Deus (Êx 34.6; Ne 9.17; Sl 86.15; 145.8; Jl 2.13; Jn 4.2). Graça, amor e
misericórdia estão explicitados na aliança de Deus com o rei Davi, a qual se
estendeu a seu filho Salomão mesmo depois que este veio a pecar no decurso de
sua vida (2 Sm 7.1-17).
Deus não outorgou Seu amor e
graça a Israel por qualquer mérito dessa nação. Deus escolheu Israel para que
fosse o povo de Sua propriedade exclusiva através de um ato de pura graça (Dt
7.6-9).
A graça e a misericórdia também
foram manifestadas a nações inteiras. O Senhor, por Sua graça, libertou o povo
de Israel da escravidão no Egito, supriu as necessidades da nação durante sua
peregrinação no deserto e lhes concedeu a terra de Canaã. O amor do profeta
Oséias por sua esposa Gômer, uma prostituta, ilustrava a graça e misericórdia
de Deus para com Israel. Embora Gômer fosse uma esposa infiel, Oséias
demonstrou-lhe graça, misericórdia e amor, ao resgatá-la do mercado de escravos
pelo pagamento de um preço. Ela tipificava a nação de Israel redimida da
escravidão do pecado.
Pela graça de Deus a ímpia
cidade de Nínive foi poupada da destruição ao arrepender-se de seu pecado com a
pregação de Jonas.
No Novo Testamento, o conceito
de graça encontra uma expressão mais precisa, rica e completa no termo grego charis, o qual ocorre, no mínimo, por 170
vezes. A graça de Deus assume uma dimensão pessoal totalmente nova e se torna
evidente ao ser humano nas palavras e obras do ministério redentor de Jesus
Cristo. Que prova maior da graça de Deus poderia ser dada do que essa da
salvação?
Foi o próprio Deus que, em Sua
bondade e graça, tomou a iniciativa de providenciar a salvação para o homem
após a queda de Adão no pecado. A graça de Deus se revela à humanidade de duas
maneiras fundamentais:
A Graça Comum
A graça comum se refere ao
imerecido favor, amor e cuidado providencial de Deus, estendidos a toda a raça
humana em corrupção, pelos quais Deus derrama Suas bênçãos sobre todos em
geral, tanto sobre os salvos quanto sobre os descrentes (Sl 145.8-9). Deus
refreia Sua ira contra a humanidade pecadora, concedendo a uma nação ou a uma
pessoa o tempo necessário para que se arrependa – o que vem a ser uma extensão
da graça comumdo Senhor.
A graça comum também pode ser constatada na obra do
Espírito Santo, quando este move o coração de uma pessoa ao persuadi-la(lo) e
convencê-la(lo) da necessidade de buscar a salvação por intermédio de Jesus
Cristo (Jo 16.8-11).
A Graça Especial
Graça =
Favor imerecido que Deus concede ao homem.
A segunda maneira de Deus
revelar Seu favor é através da graça
especial,comumente denominada de graça eficaz, efetiva ou graça salvadora.
A graça de Deus é eficaz na medida em que produz salvação na vida dos
indivíduos eleitos que depositam sua fé na morte de Cristo e no sangue que Ele
derramou na cruz para remissão de seus pecados. A graça eficaz é conhecida por
experiência no momento em que Deus, pela instrumentalidade do Espírito Santo,
opera de forma irresistível na mente e no coração de uma pessoa, de modo que o
indivíduo escolha livremente crer em Jesus Cristo como seu Salvador.
Os crentes em Cristo são
chamados, não segundo suas obras de esforço próprio, mas conforme a “determinação e graça” de Deus (2 Tm 1.9).
O apóstolo Paulo é um exemplo
clássico da chamada eficaz de Deus. Ele foi chamado, não por sua vontade, mas “pela vontade de Deus” (1 Co 1.1). Na realidade, ele tentava destruir a
Igreja até o momento em que se converteu a Cristo, conversão essa que ocorreu
pela graça de Deus (At 9).
A Demonstração da Graça de Deus
A graça de Deus se evidencia de
diversas maneiras na vida de um crente em Cristo.
Graça Salvadora
A palavra salvação é um termo abrangente. Refere-se ao
ato redentor de Deus pelo qual Ele, no presente momento, redime o indivíduo da
penalidade e do poder do pecado, e, no futuro, libertará o crente em Cristo da
presença do pecado na ocasião da glorificação dos salvos. A salvação é um dom
gratuito de Deus, concedido a uma pessoa em virtude da graça, por meio da fé,
independente de qualquer obra ou mérito da parte da pessoa que o recebe. No
momento da salvação, a graça imerecida e a fé do crente são dons que procedem
diretamente do Senhor àqueles que põem sua fé em Cristo (Ef 2.8-9).
A graça da salvação, oferecida
na atual dispensação, inclui cada aspecto da obra redentora de Deus em favor
dos crentes em Jesus e abrange a redenção, a propiciação, a justificação, o
perdão, a santificação, a reconciliação e a glorificação para aquele que, pela
fé, recebe a Cristo.
Graça Santificadora
Deus,
por intermédio do Espírito Santo, providenciou dons espirituais sobrenaturais
com o objetivo de equipar e capacitar cada crente em Cristo para o seu
ministério [i.e., serviço] na igreja local.
Naquele momento em que a
pessoa, pela fé, recebe a Cristo, ele (ou ela) é santificado pela graça de
Deus. A palavrasantificação significa
“tornar santo” ou “separar para Deus” com propósito ou uso sagrado. A Bíblia
menciona pessoas, lugares, dias e objetos inanimados consagrados (i.e.,
separados) a Deus. No que se refere a um indivíduo, a santificação pode ser
definida como a obra da livre graça de Deus através do Espírito Santo, na qual
Ele separa o crente para ser amoldado ou conforme à imagem de Cristo.
As Escrituras se referem a três
estágios de santificação pela graça de Deus. O primeiro deles é o da santificação posicional que diz respeito à posição santa do
crente perante Deus, fundamentada na redenção que Cristo efetuou a seu favor.
O segundo estágio é o da santificação progressiva, na qual o crente em Cristo se encontra
no processo de ser santificado através da Palavra de Deus (Jo 17.17). Os
crentes são exortados a crescer “na
graça” (2 Pe 3.18); na busca
desse crescimento, tornam-se recipientes do favor imerecido que procede do
Senhor. O crescimento na graça não é obtido por meios naturais, mas se dá
através do estudo da Palavra de Deus (2 Pe 1.2-3,5-6,8). À medida que um crente
em Jesus cresce na graça, o fruto do Espírito se torna manifesto através da
vida dele ou dela (Gl 5.22-23), levando a pessoa a uma conformidade com a
imagem e semelhança de Cristo (Rm 8.29).
O terceiro estágio é o da santificação completa ou perfeita, que os crentes conhecerão por
experiência quando receberem seus corpos glorificados e se completar a sua
redenção (Rm 8.30; Ef 5.27). Esse acontecimento se concretizará na ocasião do
Arrebatamento da Igreja (1 Co 15.51-52; 1 Ts 4.16-17).
Graça Servidora
A palavra dom (do termo grego charisma: “dádiva ou dom da graça”) se refere a
um favor que alguém recebe gratuitamente, sem merecê-lo. Deus, por intermédio
do Espírito Santo, providenciou dons espirituais sobrenaturais com o objetivo
de equipar e capacitar cada crente em Cristo para o seu ministério [i.e.,
serviço] na igreja local. Não existe apenas um dom, mas, sim, uma diversidade
de dons que o Espírito Santo concede aos crentes (Rm 12.6-8; 1 Co 12.8-11; Ef
4.7,11-12; 1 Pe 4.11).
O
sofrimento faz parte da condição humana, em virtude do pecado, do
envelhecimento do corpo, da desobediência ao Senhor, ou da punição de Deus.
Os crentes dispõem de “diferentes dons segundo a graça
que [por Deus] nos foi dada” (Rm 12.6). Alguns crentes possuem uma abundância
de dons, enquanto outros possuem apenas um ou dois. Esses dons, ou graças, não
são dons, talentos ou habilidades naturais; pelo contrário, são dons
proporcionados por Deus, os quais, através do crente, efetuam a edificação do
Corpo de Cristo, rendendo, assim, a glória que pertence a Deus.
No uso de seu dom, um crente
deve se dirigir às outras pessoas com uma atitude de graça. O apóstolo Paulo
declarou: “A vossa conversa seja sempre com graça” (Cl 4.6; conforme a Tradução
Brasileira). No que dizia respeito ao serviço para o Senhor, Paulo estava
equipado, não com sua própria força e poder, mas com a graça de Deus que lhe
fora outorgada. Ele disse: “...trabalhei
muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo” (1
Co. 15.10).
Graça Sofredora
O sofrimento faz parte da
condição humana, em virtude do pecado, do envelhecimento do corpo, da
desobediência ao Senhor, ou da punição de Deus. Paulo tinha um “espinho na
carne” (i.e., uma debilidade física) que ele, por três vezes, suplicara a Deus
para que fosse removido. Cada uma de suas súplicas recebeu esta mesma resposta: “A minha graça te basta, porque o
poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12.9). Em outras palavras, a graça de Deus
era suficiente para fortalecer Paulo em sua dificuldade física, de modo que ele
a pudesse suportar. O mesmo acontece com os crentes nos dias atuais. Deus
proporciona a graça suficiente para nos fortalecer em meio a qualquer provação,
tentação ou período de sofrimento.
Paulo resumiu isso com muita
propriedade, quando escreveu: “Porquanto
a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens” (Tt 2.11). Isso diz tudo. Junto com a compositora
daquele hino, cantamos: “Maravilhosa, infinita, incomparável...” é a
surpreendente graça de Deus. (David M. Levy - Israel My Glory - http://www.chamada.com.br)
Notas:
1. J. Dwight Pentecost, Things Which Become Sound Doctrine, Westwood, NJ: Fleming H. Revell, 1965,
p. 19.
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